Volta Redonda: moradores alegam ter sido contaminados por empresa



Com manchas inexplicadas pelos médicos em cerca de 80% do corpo, a dona de casa Juliana Amorim de Araújo evita usar bermudas, não pode se expor ao sol e sofre com coceiras constantes. Além disso, gasta em torno de R$ 800 mensais com tratamento médico para seu problema na pele. Há seis anos, convive com esses problemas, e depois do relatório divulgado pelo Instituto Estadual do Ambiente do Rio de Janeiro (Inea), diz não ter dúvidas de que foi contaminada pela ação de produtos tóxicos que estão no solo e no lençol freático do condomínio Volta Grande 4, em Volta Redonda, no sul fluminense, conforme aponta o estudo.
Juliana é uma das 2,2 mil pessoas que moram em um dos 750 imóveis que compõem o bairro, criado no fim dos anos 1990 na cidade de Volta Redonda, na região do Médio Paraíba, em um terreno doado pela Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) ao sindicato dos metalúrgicos local. Durante anos, uma área vizinha foi depósito de resíduos da empresa, e parte do material tóxico acabou vazando para a área onde estão as casas. Atualmente, o depósito está lacrado, e as autoridades querem que ele seja completamente desativado.
O condomínio foi inaugurado em 1998, mediante liberação do terreno pelas autoridades ambientais da época. Desde então, sempre se falou sobre a possibilidade de contaminação do local. O laudo do Inea atestou a presença de 24 substâncias tóxicas, e a secretaria de Ambiente do Rio de Janeiro decidiu multar a CSN em R$ 35 milhões. A empresa já recorreu da punição.

A secretaria deu ainda prazo de 15 dias, que vencem esta semana, para a siderúrgica apresentar um plano de descontaminação do solo e do lençol freático de Volta Grande 4. Foi determinado também que a CSN teria um mês para elaborar um planejamento de realocação das 220 famílias que estão na área contaminada observada no relatório.
O relatório foi divulgado no início do mês, e aponta altas concentrações de metais pesados. Um deles é o cádmio, cuja presença tolerada em áreas residenciais é de 8 miligramas por quilo (mg/kg); em Volta Grande 4, chega a 38,1 mg/kg. Foi constatado, no mesmo relatório, a presença de cromo, que alcançou 1.614,2 mg/kg. O máximo tolerado é 300 mg/kg.
Também foi apontada quantidade significativa de ascarel, substância proibida no País, cuja concentração atingiu 2,73666 mg/kg. O estudo foi feito em uma área de aproximadamente 10 mil metros quadrados, o correspondente a um terço do total. Nesse espaço, estão as 220 famílias que a secretaria de Ambiente do Rio quer que sejam removidas.
Incerteza quanto ao futuro
Assim como a maior parte dos moradores ouvidos pelo Terra, Juliana mostra preocupação diante da incerteza em relação ao problema no local. A secretaria de Ambiente do Rio determinou que a CSN apresente um plano de remoção de 220 famílias que estão na área apontada como contaminada.
"Ninguém veio aqui falar com a gente, não estamos sabendo de nada. Apenas o que lemos na imprensa. Se vão nos tirar daqui, vão nos levar para onde? Temos anos e anos aqui, tudo montado. O que vão fazer com a gente", questiona Juliana, que mora há 12 anos em Volta  Grande 4, na área conhecida como Condomínio 225, justamente a apontada como a mais crítica.
A dona de casa tem a doença conhecida como líquen plano. As causas são desconhecidas. Os dermatologistas apontam que a doença costuma ser uma reação do organismo à exposição a algum agente químico. Juliana diz que já fez diversos exames de sangue, mas nunca se chegou a qualquer conclusão sobre a origem de suas manchas.
"Coça muito, muito mesmo. Tomava injeção de corticoides para aliviar, mas acabei tendo problemas nos rins, e tive que parar. Faço tratamento para aliviar as manchas, mas elas não saem mais. Quero uma solução, é minha saúde", comenta Juliana, que depois de tomar conhecimento do laudo do Inea, decidiu que vai acionar a CSN na Justiça.
Outra que reclama também de problemas de saúde constantes é a também dona de casa Luciana Cristina. Voltando de mais uma ida ao posto médico, ela diz que o filho Kelvy, 4 anos, que é autista, sofre de bronquite e sinusite. Para Luciana, os problemas respiratórios são agravados pela conjuntura do local. Ela já acionou a CSN na Justiça, e cobra que as autoridades agilizem a remoção dos moradores do local.
"A CSN está mascarando o problema, ao invés de tirar o pessoal daqui. Meu filho tem problemas que pioram quando estou aqui. Quando vou para a casa da minha mãe, ele melhora bastante. Tenho certeza de que esse problema aqui influencia na saúde do meu filho”, observa.
A aposentada Margarida Silva, moradora de Volta Grande 4 há 12 anos, é outra que se queixa de problemas. Ela diz sentir alergias constantes, e muita coceira no corpo. Ele demonstra temor em relação à incerteza sobre sua permanência ali. "Tem dia que é difícil para dormir, coça muito. Incomoda demais. Mas me atrapalha mais essa coisa de tirarem a gente daqui. Gosto daqui, vim para ficar de vez aqui, e agora deu esse problema", reclama.
'Não somos invasores', diz representante dos moradores
Presidente da associação dos moradores de Volta Grande 4, Édson França ressalta que vai brigar para que ninguém que vive ali saia perdendo, caso o terreno tenha que ser desocupado. Segundo ele, os moradores são pessoas que tinham o sonho da casa própria, mas que foram ludibriados pelo poder público.
"Não somos favelados, não somos invasores. Não vamos deixar que façam com a gente o que fizeram com os moradores do morro do Bumba", afirma, se referindo à tragédia do morro do Bumba, em 2010, em Niterói, região metropolitana do Rio, cujo desabamento matou pelo menos 50 pessoas. Os desabrigados esperam até hoje para serem alocados em novas residências.
França relata que há muitas reclamações dos moradores sobre problemas de saúde. Alergias, coceiras e problemas respiratórios são queixas frequentes. Ele pondera, no entanto, que isso não significa que tudo esteja relacionado a uma possível contaminação.
Placas recomendam que não se plante nada em Volta Grande 4
Apesar da recomendação de que as famílias saiam dali, a rotina permanece inalterada em Volta Grande 4. Em todo o bairro, há placas recomendando que não se retire nada do solo, ou seja, não se plante nada e nem se abra qualquer tipo de poço para a retirada de água. Mas não se vê qualquer movimentação dos moradores para sair do local, tampouco casas à venda na região. Diante da informação sobre a contaminação, alegam alguns, os imóveis de Volta Grande 4 estão bastante desvalorizados.
O representante dos moradores comenta que não tem qualquer tipo de contato com a CSN. Segundo ele, a siderúrgica jamais procurou a associação de moradores em busca de alguma solução para o caso.
Parte dos moradores são funcionários da própria CSN. Quando abordados, revelam cautela ao falar da situação no local. Um deles, que não quis se identificar, afirma que "chegam recados" para que aqueles que tenham ligação com a empresa não comentem sobre o assunto. Outro morador, também funcionário da siderúrgica, diz que orienta os filhos a não ter contato com qualquer tipo de líquido nas ruas da região. Ele conta que estava se preparando para começar a reformar sua casa, mas que interrompeu qualquer planejamento quando soube da recomendação para que a área fosse esvaziada.
"Já ia começar a mexer no meu quintal, mas não sei mais o que vai acontecer. Não sabemos do futuro, se vamos ter doenças. Se ficar comprovado que estamos sendo prejudicados, quero sair", relata.
Para CSN, área pode ter moradias
A CSN informou que vem fazendo, juntamente com órgãos ambientais, estudos e pesquisas sobre a caracterização e uso do solo em seus terrenos. Segundo a companhia, desde 2000, foram feitas cinco análises com consultorias nacionais e internacionais. O último deles, sustenta a siderúrgica, feitos em 2012 por uma empresa americana, aponta que não há risco no local, e que as pessoas pode continuar vivendo em Volta Grande 4.
"Para área de uso residencial é possível afirmar que, com base nos dados ressaltados no presente parecer, inexistem situações de perigo ou risco iminente relacionados às concentrações dos compostos químicos de interesse detectados", afirma a empresa, por meio de um comunicado.
A siderúrgica não informou, no entanto, se vai cumprir a determinação da secretaria de Ambiente, de entregar um plano de remoção das famílias e descontaminação do solo da região. A CSN destacou que as autoridades ambientais do Rio de Janeiro liberaram a ocupação do terreno nos anos 1990, e que o projeto obteve financiamento público da Caixa Econômica Federal e autorização da prefeitura de Volta Redonda.
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Jornal do Brasil


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