Conheça o município do norte-fluminense que sofre com forte erosão marinha e tem seu território diminuído a cada ano
As imagens impressionam. Ruínas de hotéis, casas de luxo e de veraneio, comércio e até o batalhão de polícia, tudo destruído num raio de mais de cinco quilômetros de costa. Conforme a água avança, traz consigo a areia, que forma dunas onde antes havia quarteirões inteiros de residências e a avenida Atlântica – que já não existe na parte final da cidade.
Atafona, pacato distrito de São João da Barra, município do norte-fluminense, a 314 quilômetros do Rio de Janeiro, não sofreu o efeito devastador de um tsunami – como o que destruiu o nordeste do Japão no início de março. Mas as comparações são inevitáveis. O mar avança sobre a cidade desde os anos 70 e vem destruindo ruas inteiras.“As primeiras observações do processo erosivo foram há 40 anos. O problema foi se intensificando com a falta de pressão do volume de água do rio Paraíba do Sul, que corta a cidade a caminho do mar”, explica André Pinto, assessor de Planejamento e de Gestão Ambiental da prefeitura de São João da Barra. André também é guia de turismo, ciceroneando grupos de cientistas, estudantes e outros interessados em ver de perto as ruínas do que um dia foi o litoral de Atafona.Com 30 mil moradores, a localidade, incluindo São João da Barra, tem um território de 432 quilômetros quadrados. A principal atividade econômica da região é a pesca. Mas o turismo tem “animado” os moradores. É cada vez maior o número de pessoas que procuram o lugar para conhecer de perto a ação da natureza na vida cotidiana da comunidade.Segundo André, o distrito tem características peculiares que fazem com que ali sejam sentidas estas transformações mais drásticas. “A forte dinâmica das correntes marinhas, a formação geológica e por ser o ponto de tensão dos ventos vindos do nordeste, além da construção irregular nas faixas do rio e do mar, fazem com que Atafona viva este problema com tanta intensidade”, enumera o assessor de Gestão Ambiental.A cidade tem cerca de cem casas notificadas pela Defesa Civil. “Uma parceria do Ministério Público estadual, Corpo de Bombeiros, Prefeitura e Defesa Civil permitiu que se agisse com eficiência, a partir de 2008. Devido ao avanço do mar, das ruínas da caixa d’agua da Cedae à foz do rio Paraíba do Sul, são diversas casas interditadas. A maioria delas, é bom frisar, é de veraneio”, explica Felício Medeiros, chefe da Defesa Civil municipal.Foto: Isabela KassowCerca de cem casas estão comprometidas pela Defesa CivilRuínas como ponto turísticoConhecida como o “hotel do Julinho”, a ruína mais impactante da praia de Atafona virou ponto turístico. Construído pelo empresário Júlio Ferreira da Silva em 1973, o empreendimento também foi uma mercearia. O jornalista João Noronha, no livro “Uma Dama Chamada Atafona”, descreve o prédio como “o primeiro supermercado da cidade, dotado de bar, padaria e lanchonete”. Na parte superior, foram construídos 48 apartamentos com suítes em três andares. O prédio veio abaixo em abril de 2008, numa nova aproximação do mar. Ninguém se feriu. Meses antes a Defesa Civil Municipal havia interditado o local.Os moradores mais antigos contam que, desde os anos 70, o mar avançou sobre cinco ruas, totalizando cerca de 500 casas. Isso equivale, pelos cálculos da prefeitura, a 40 campos de futebol. “O mar avança cerca de três metros por ano”, diz André Pinto. Tanto que o mar é proibido para o banho devido à presença de vergalhões e restos de construções escondidas sob as águas barrentas. A cor, aliás, em nada tem a ver com poluição – é pela vizinhança com o rio.Ainda assim, surfistas se arriscam nas ondas do mar. Joedson Rosa da Silva diz não ter medo. “Já vi gente se machucando. Mas a água bate com força onde tem resto de construção, daí dá para ter uma noção de onde não se pode ir”, afirma.Uma placa explicando o que acontece no litoral da cidade dá as informações para turistas que queiram se aprofundar no assunto. Detalhe: os textos são bilíngues, já se prevendo o interesse internacional.Foto: Isabela KassowO que sobrou do asfalto da Avenida AtlânticaFim do mundoOs destroços do que um dia foi parte da cidade hoje servem de fachadas para que igrejas profetizem o apocalipse. “Atafona é a primeira cidade a ver a chegada do fim do mundo”, diz Zélia Souza, que trabalha em um bar em frente à praia. O que sobrou do “hotel do Julinho” tem inscrições como “Jesus está vivo”, “Apocalipse – lembra-te do dia de sábado para o santificar”.É em frente a uma dessas inscrições que um grupo de turistas, munidos de máquinas fotográficas, faz pose. Carmem Faria e Raquel Cansado estão na cidade pela segunda vez. “É impactante e ao mesmo tempo triste, desolador. Voltamos cinco anos depois para ver como o mar não para de avançar. Da última vez o hotel ainda estava de pé”, conta Carmem. “Só Deus para impedir que se repita aqui o que aconteceu no Japão”, completa Raquel, sem saber que as ondas no outro lado do mundo foram ocasionadas por choques nas placas tectônicas.O tom apocalíptico também está na conversa com moradores mais antigos. No começo de fevereiro foi realizada a procissão de Nossa Senhora dos Navegantes, que percorreu a cidade até a praia de Atafona. Muitos creem que isso fez com que o mar recuasse alguns metros.Para os técnicos, porém, a explicação é outra. Este recuo faz parte do processo erosivo. Desde 2008, tem se percebido este fenômeno inverso na cidade. O mar tem recuado, devolvendo faixas de areia que estavam submersas. Para o técnico ambiental Luis Henrique Araújo, que perdeu sua casa na última forte ressaca, isso não permite que a população se anime. “O mar recua e depois volta ainda mais forte. Não se pode construir novamente onde ele destruiu. São movimentos imprevisíveis”, diz.Foto: Isabela KassowSem ter por onde passar, carros trafegam pela areiaAvenida Atlântica destruídaMargeando o litoral norte-fluminense, de Grussaí a Atafona, o melhor caminho é a avenida Atlântica. Mas quando se chega a Atafona... Cadê a avenida? Dunas tomam conta do asfalto que já cedeu em diversos pontos.A destruição foi mais rápida do que o Google Maps, que ainda tem imagens aéreas da avenida. A areia avança rapidamente sobre casas. O 8º BPM (Batalhão de Polícia Militar), desativado em 2001, ainda resiste de pé. Residências próximas já foram abandonadas.Chama a atenção o que sobrou da mansão de um rico usineiro do ramo sucroalcooleiro. O monte de pedras e pedaços de chão ainda com azulejos foi, até 2002, uma das casas mais imponentes da cidade. No livro de João Noronha, eis a descrição da casa: “O segundo (casarão), do usineiro do açúcar Aylton Damas dos Santos, na avenida Atlântica com vista espetacular para o oceano tinha seis suítes, salão de jantar, sala de TV, sala de café da manhã e living no primeiro piso, e cozinha, lavanderia, dois dormitórios para motoristas, sala para sauna, salão de jogos, despensa e depósito no subsolo, além de garagem para oito carros e casa de caseiros”.Foto: Isabela KassowAvanço do mar é sentido na cidade há pelo menos quatro décadasSoluções para o êxodoNos últimos anos, várias soluções têm sido discutidas para tentar conter o avanço do mar. O professor Paulo Cesar Rosman, do Programa de Engenharia Oceânica da UFRJ, não descarta a construção de obras de engenharia costeira para proteger as propriedades ameaçadas, como quebra-mares e muros. Mas ressalta o alto custo e a possível ineficiência a longo prazo. “Seria bem mais econômico para o poder público desapropriar a região sob ataque das ondas que construir obras de proteção costeira. A área seria renaturalizada e viraria um parque com praia”, afirma.Vários moradores já deixaram suas casas. São diversas propriedades com placas de “vende-se”. Michele de Meirelles oferece sua casa de dois quartos por R$ 8 mil. O muro do lado esquerdo da propriedade segura uma duna de areia prestes a entrar em seu quintal. “Quero me mudar o quanto antes. Mas não há quem compre”, diz a dona de casa.Um novo rabisco de apocalipse “(Jesus está voltando”) já ocupa o muro. É sinal de que “ele” vem vindo. O mar.___Último Segundo
As imagens impressionam. Ruínas de hotéis, casas de luxo e de veraneio, comércio e até o batalhão de polícia, tudo destruído num raio de mais de cinco quilômetros de costa. Conforme a água avança, traz consigo a areia, que forma dunas onde antes havia quarteirões inteiros de residências e a avenida Atlântica – que já não existe na parte final da cidade.
Atafona, pacato distrito de São João da Barra, município do norte-fluminense, a 314 quilômetros do Rio de Janeiro, não sofreu o efeito devastador de um tsunami – como o que destruiu o nordeste do Japão no início de março. Mas as comparações são inevitáveis. O mar avança sobre a cidade desde os anos 70 e vem destruindo ruas inteiras.
“As primeiras observações do processo erosivo foram há 40 anos. O problema foi se intensificando com a falta de pressão do volume de água do rio Paraíba do Sul, que corta a cidade a caminho do mar”, explica André Pinto, assessor de Planejamento e de Gestão Ambiental da prefeitura de São João da Barra. André também é guia de turismo, ciceroneando grupos de cientistas, estudantes e outros interessados em ver de perto as ruínas do que um dia foi o litoral de Atafona.
Com 30 mil moradores, a localidade, incluindo São João da Barra, tem um território de 432 quilômetros quadrados. A principal atividade econômica da região é a pesca. Mas o turismo tem “animado” os moradores. É cada vez maior o número de pessoas que procuram o lugar para conhecer de perto a ação da natureza na vida cotidiana da comunidade.
Segundo André, o distrito tem características peculiares que fazem com que ali sejam sentidas estas transformações mais drásticas. “A forte dinâmica das correntes marinhas, a formação geológica e por ser o ponto de tensão dos ventos vindos do nordeste, além da construção irregular nas faixas do rio e do mar, fazem com que Atafona viva este problema com tanta intensidade”, enumera o assessor de Gestão Ambiental.
A cidade tem cerca de cem casas notificadas pela Defesa Civil. “Uma parceria do Ministério Público estadual, Corpo de Bombeiros, Prefeitura e Defesa Civil permitiu que se agisse com eficiência, a partir de 2008. Devido ao avanço do mar, das ruínas da caixa d’agua da Cedae à foz do rio Paraíba do Sul, são diversas casas interditadas. A maioria delas, é bom frisar, é de veraneio”, explica Felício Medeiros, chefe da Defesa Civil municipal.
Foto: Isabela Kassow
Cerca de cem casas estão comprometidas pela Defesa Civil
Ruínas como ponto turístico
Conhecida como o “hotel do Julinho”, a ruína mais impactante da praia de Atafona virou ponto turístico. Construído pelo empresário Júlio Ferreira da Silva em 1973, o empreendimento também foi uma mercearia. O jornalista João Noronha, no livro “Uma Dama Chamada Atafona”, descreve o prédio como “o primeiro supermercado da cidade, dotado de bar, padaria e lanchonete”. Na parte superior, foram construídos 48 apartamentos com suítes em três andares. O prédio veio abaixo em abril de 2008, numa nova aproximação do mar. Ninguém se feriu. Meses antes a Defesa Civil Municipal havia interditado o local.
Os moradores mais antigos contam que, desde os anos 70, o mar avançou sobre cinco ruas, totalizando cerca de 500 casas. Isso equivale, pelos cálculos da prefeitura, a 40 campos de futebol. “O mar avança cerca de três metros por ano”, diz André Pinto. Tanto que o mar é proibido para o banho devido à presença de vergalhões e restos de construções escondidas sob as águas barrentas. A cor, aliás, em nada tem a ver com poluição – é pela vizinhança com o rio.
Ainda assim, surfistas se arriscam nas ondas do mar. Joedson Rosa da Silva diz não ter medo. “Já vi gente se machucando. Mas a água bate com força onde tem resto de construção, daí dá para ter uma noção de onde não se pode ir”, afirma.
Uma placa explicando o que acontece no litoral da cidade dá as informações para turistas que queiram se aprofundar no assunto. Detalhe: os textos são bilíngues, já se prevendo o interesse internacional.
Foto: Isabela Kassow
O que sobrou do asfalto da Avenida Atlântica
Fim do mundo
Os destroços do que um dia foi parte da cidade hoje servem de fachadas para que igrejas profetizem o apocalipse. “Atafona é a primeira cidade a ver a chegada do fim do mundo”, diz Zélia Souza, que trabalha em um bar em frente à praia. O que sobrou do “hotel do Julinho” tem inscrições como “Jesus está vivo”, “Apocalipse – lembra-te do dia de sábado para o santificar”.
É em frente a uma dessas inscrições que um grupo de turistas, munidos de máquinas fotográficas, faz pose. Carmem Faria e Raquel Cansado estão na cidade pela segunda vez. “É impactante e ao mesmo tempo triste, desolador. Voltamos cinco anos depois para ver como o mar não para de avançar. Da última vez o hotel ainda estava de pé”, conta Carmem. “Só Deus para impedir que se repita aqui o que aconteceu no Japão”, completa Raquel, sem saber que as ondas no outro lado do mundo foram ocasionadas por choques nas placas tectônicas.
O tom apocalíptico também está na conversa com moradores mais antigos. No começo de fevereiro foi realizada a procissão de Nossa Senhora dos Navegantes, que percorreu a cidade até a praia de Atafona. Muitos creem que isso fez com que o mar recuasse alguns metros.
Para os técnicos, porém, a explicação é outra. Este recuo faz parte do processo erosivo. Desde 2008, tem se percebido este fenômeno inverso na cidade. O mar tem recuado, devolvendo faixas de areia que estavam submersas. Para o técnico ambiental Luis Henrique Araújo, que perdeu sua casa na última forte ressaca, isso não permite que a população se anime. “O mar recua e depois volta ainda mais forte. Não se pode construir novamente onde ele destruiu. São movimentos imprevisíveis”, diz.
Foto: Isabela Kassow
Sem ter por onde passar, carros trafegam pela areia
Avenida Atlântica destruída
Margeando o litoral norte-fluminense, de Grussaí a Atafona, o melhor caminho é a avenida Atlântica. Mas quando se chega a Atafona... Cadê a avenida? Dunas tomam conta do asfalto que já cedeu em diversos pontos.
A destruição foi mais rápida do que o Google Maps, que ainda tem imagens aéreas da avenida. A areia avança rapidamente sobre casas. O 8º BPM (Batalhão de Polícia Militar), desativado em 2001, ainda resiste de pé. Residências próximas já foram abandonadas.
Chama a atenção o que sobrou da mansão de um rico usineiro do ramo sucroalcooleiro. O monte de pedras e pedaços de chão ainda com azulejos foi, até 2002, uma das casas mais imponentes da cidade. No livro de João Noronha, eis a descrição da casa: “O segundo (casarão), do usineiro do açúcar Aylton Damas dos Santos, na avenida Atlântica com vista espetacular para o oceano tinha seis suítes, salão de jantar, sala de TV, sala de café da manhã e living no primeiro piso, e cozinha, lavanderia, dois dormitórios para motoristas, sala para sauna, salão de jogos, despensa e depósito no subsolo, além de garagem para oito carros e casa de caseiros”.
Foto: Isabela Kassow
Avanço do mar é sentido na cidade há pelo menos quatro décadas
Soluções para o êxodo
Nos últimos anos, várias soluções têm sido discutidas para tentar conter o avanço do mar. O professor Paulo Cesar Rosman, do Programa de Engenharia Oceânica da UFRJ, não descarta a construção de obras de engenharia costeira para proteger as propriedades ameaçadas, como quebra-mares e muros. Mas ressalta o alto custo e a possível ineficiência a longo prazo. “Seria bem mais econômico para o poder público desapropriar a região sob ataque das ondas que construir obras de proteção costeira. A área seria renaturalizada e viraria um parque com praia”, afirma.
Vários moradores já deixaram suas casas. São diversas propriedades com placas de “vende-se”. Michele de Meirelles oferece sua casa de dois quartos por R$ 8 mil. O muro do lado esquerdo da propriedade segura uma duna de areia prestes a entrar em seu quintal. “Quero me mudar o quanto antes. Mas não há quem compre”, diz a dona de casa.
Um novo rabisco de apocalipse “(Jesus está voltando”) já ocupa o muro. É sinal de que “ele” vem vindo. O mar.
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Último Segundo
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