Com 1 milhão de novas vagas, municípios não garantem qualidade da pré-escola



Até 2016, todas as crianças a partir dos 4 anos devem estar matriculadas na escola. Será necessário criar mais de 1 milhão de vagas.

As mudanças na Lei de Diretrizes e Bases da Educação, publicadas no começo do mês no Diário Oficial, reabriram a polêmica sobre a necessidade de matricular as crianças a partir dos 4 anos na escola - regra que está em vigor desde 2009, quando foi aprovada a emenda constitucional 59. Embora os municípios tenham até 2016 para se adequar à nova lei (antes o ensino era obrigatório a partir dos 6 anos), ainda há uma longa trajetória pela frente. Levantamento do Movimento Todos pela Educação aponta que uma em cada cinco crianças entre 4 e 5 anos de idade não encontra vaga para cursar a pré-escola. Isso significa que precisam ser criadas 1.050.560 vagas para que toda a população dessa faixa etária seja atendida e a lei, cumprida.

Presidente da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), Paulo Ziulkoski afirma que a meta será atingida até 2016, mas não garante o principal: a qualidade da educação nessas instituições. "Tudo indica, embora não haja recursos, que os municípios vão cumprir essa determinação. Porém a qualidade da educação é outra questão para se preocupar. Estamos colocando essas crianças na sala de aula, mas não temos como garantir a qualidade", diz.
Segundo Ziulkoski, a educação infantil, responsabilidade exclusiva dos municípios, tem um custo muito elevado e o governo federal não oferece contrapartida suficiente para atender a nova demanda. Ele afirma que o repasse do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) é de cerca de R$ 270 mensais por aluno, mas que o custo é quase o dobro disso - R$ 780 por mês para uma criança que fica na escola em turno integral. "O governo tem feito bastante propaganda, dizendo que vai construir creches, mas o problema não é o prédio. O problema é a manutenção dessa estrutura", critica.

O secretário da Educação Básica do Ministério da Educação (MEC), Romeu Weliton Caputo, contesta a informação de que o apoio federal seja insuficiente. Segundo ele, toda a criança que entra para o sistema educacional passa a se computada em diversos programas educacionais, tanto para alimentação, transporte escolar e material didático. Ele diz também que, a partir da criação do programa Brasil Carinhoso no ano passado, o governo federal passou a liberar um valor extra de 50% do repasse do Fundeb por cada aluno cuja família recebe o auxílio do Bolsa Família. "Essa iniciativa auxilia os municípios com populações mais carentes. Oferecer a educação infantil nessas comunidades mais pobres é sempre mais caro, por isso esse apoio", diz.
O plano do MEC, de acordo com o secretário, é concluir 6 mil novas creches até o final de 2014. "O governo financia a construção, o equipamento e o custeio do primeiro ano até que entre a verba do Fundeb. Claro que é um valor alto (a manutenção das escolas), por isso que o governo fez uma série de políticas para apoiar os municípios", defende Caputo.
Pré-escola não pode ser depósito de crianças
Diretora-executiva do movimento Todos pela Educação, Priscila Cruz defende a entrada mais cedo na escola, mas alerta que a educação infantil não pode servir como um "depósito de crianças". "Temos que pensar qual é a pré-escola que queremos porque hoje no Brasil ainda tem muito lugar onde as crianças ficam olhando para o teto, é só um depósito de crianças enquanto os pais estão trabalhando". Segundo ela, educação infantil de qualidade, que privilegia o aprendizado, as brincadeiras, a socialização entre as crianças traz resultados positivos nas demais etapas da educação.

Diretora de uma escola municipal de Porto Alegre (RS), Maria do Carmo de Souza trabalha com educação infantil há 40 anos e conhece bem a realidade da pré-escola, principalmente em comunidades mais pobres. No colégio Moradas da Hípica, há duas turmas de educação infantil – uma para crianças de 4 anos e outra para os estudantes de 5 anos. Como são oferecidas apenas 20 vagas por ano, muitas crianças a zona sul da capital ficam de fora do programa. "Se pudéssemos receber mais alunos seria ótimo porque vemos claramente a diferença entre aqueles que passaram pela educação infantil e os que entraram direto no primeiro ano", afirma.
O secretário do MEC acredita nessa diferença e investe na educação infantil como forma de atingir a meta de que todas as crianças sejam alfabetizadas no Brasil até os 8 anos de idade. E para concretizar esse objetivo, a formação dos professores é uma prioridade. Segundo a LDB, para dar aulas na educação infantil ainda são permitidos professores com formação normal – conhecido como magistério. De acordo com Romeu Caputo, os cursos normais sempre tiveram um elevado padrão de qualidade e limitar a inclusão desses profissionais poderia resultar na falta de professores. Para ele, o maior problema de qualidade hoje está nos cursos de pedagogia. "Já estamos trabalhando com a Secretaria de Educação Superior para garantir que a educação infantil esteja presente nos cursos de pedagogia, os professores precisam estar preparados para dar aulas para crianças".
Professora da Universidade de São Paulo (USP) e pesquisadora sobre educação infantil há mais de 20 anos Marieta Nicolau afirma que a pré-escola exige um professor altamente especializado. "Precisamos preparar o profissional para valorizar o lúdico, o brincar, a descoberta de si e do outro. É importante trabalhar com a linguagem oral e visual, não é uma tarefa fácil". Ela lembra ainda que esse trabalho não cabe somente aos professores, mas que a participação dos pais é fundamental. E ainda faz um alerta: a pré-escola é um espaço para brincadeira, música, histórias e arte. Não pode ser um lugar onde a criança sinta-se obrigada a aprender. A tarefa de ensina a ler e a escrever é tarefa do ensino fundamental, embora a educação infantil contribua para garantir a alfabetização.
A pesquisadora lembra ainda da importância dos investimentos em infraestrutura. Espaço para as brincadeiras, salas de aula coloridas, com jogos e livros são fundamentais. Mas tanto contar com professores capacitados quanto financiar uma estrutura completa representam um custo elevado e os novos prefeitos assumiram seus cargos em janeiro deste ano sabendo do desafio. "Os prefeitos anteriores, de modo geral, diziam que o prazo era para o próximo (gestor). Teve crescimento da oferta, mas não foi expressivo. O prefeito novo vai ter que se agilizar, o prazo é com ele", completa a diretora do Todos pela Educação.

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Terra

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